Hermes C. Fernandes
Uma
das passagens mais usadas para aterrorizar os crentes é a parábola das
Dez Virgens. De acordo com a interpretação de alguns pregadores, a
parábola indica que apenas uma porcentagem dos crentes em Jesus
participariam do Arrebatamento, e os demais seriam deixados para trás.
Se formos um pouco mais literais, somente 50% dos crentes serão
realmente salvos. Os demais estão entre os imprudentes, que serão pegos
de surpresa, despreparados, e por isso, inaptos para subir com Cristo.
Será que tal interpretação faz jus àquilo que Jesus intentava dizer aos Seus discípulos?
Nessa
parábola, Jesus está falando da chegada do reino, e não de Sua segunda
Vinda. E o Seu reino foi inaugurado ainda em Seu primeiro advento.
O
texto diz que “o reino dos céus será semelhante a dez virgens que,
tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do noivo” (Mt.25:1).
Sôa
até estranho, se não atentarmos para o contexto cultural da época.
Estaria Jesus defendendo algum tipo de poligamia? Por que “dez virgens”,
em vez de apenas uma? Teria Jesus mais de uma noiva?
As
virgens da parábola não seriam desposadas pelo noivo. Elas eram como
“madrinhas” da noiva. Fazia parte do ritual de bodas judaicas, o
encontro das “madrinhas” virgens, com o noivo, para acompanhá-lo até a
noiva.
Ora,
o noivo da parábola representa o próprio Cristo. E a noiva, embora não
figure na parábola, é a Igreja. Quem seriam, então, as virgens? Elas
representam o povo judeu.
É
interessante que em outra passagem, João Batista se apresenta como “o
amigo do Noivo”. Além das virgens madrinhas, o noivo também era
assistido por um amigo, geralmente, aquele que fosse considerado o
melhor amigo. Assim como não podemos confundir o noivo com o amigo do
noivo, também não podemos confundir a noiva com as dez virgens.
Ao
ser confundido com o Cristo, João respondeu: “Eu não sou o Cristo, mas
sou enviado adiante dele. A noiva pertence ao noivo. O amigo do noivo,
que lhe assiste, espera e ouve, e alegra-se muito com a voz do noivo.
Essa alegria é minha, e agora está completa” (Jo.3:28b-29).
De acordo com o protocolo, as virgens madrinhas deveriam sair ao encontro do noivo, portando lâmpadas devidamente acesas.
Segundo a parábola, dentre as dez virgens, cinco eram prudentes, e cinco eram insensatas.
“As
insensatas, ao tomarem as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo.
Mas as prudentes levaram azeite em suas vasilhas, com suas lâmpadas.
Demorando o noivo, todas elas acabaram cochilando e dormindo”
(Mt.25:3-5).
Repare
no detalhe: todas elas acabaram dormindo. Ficaram desatentas, e
cochilaram. A diferença entre elas era o suplemento extra de azeite que
cinco delas haviam trago. Portanto, a questão não era apenas de
vigilância, como bradam os pregadores, mas de prevenção e prudência. Ser
prudente aqui, é ser precavido.
Por
isso, não parece razoável usar esse texto para amendrontar os crentes,
fazendo-os duvidar de sua salvação, temendo que o Senhor lhes flagre
“dormindo”.
Paulo escreve acerca disso em sua primeira epístola endereçada à igreja em Tessalônica:
“Mas,
irmãos, acerca dos tempos e das épocas, não necessitais de que se vos
escreva, pois vós mesmos sabeis muito bem que o dia do Senhor virá como o
ladrão de noite (sem aviso prévio) (...) Mas vós, irmãos, já não estais
em trevas, para que esse dia vos surpreenda como um ladrão. Todos vós
sois filhos da luz, e filhos do dia. Nós não somos da noite, nem das
trevas. Não durmamos, pois, como os demais, mas vigiemos, e sejamos
sóbrios. Pois os que dormem, dormem de noite, e os que se embriagam,
embriagam-se de noite. Nós, porém, que somos do dia, sejamos sóbrios
(...) Pois Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a
salvação por nosso Senhor Jesus Cristo, que morreu por nís, para que,
quer vigiemos, quer durmamos, vivamos juntamente com ele” (5:1-2,4-8a,
9-10).
É
claro que devemos “vigiar”, isto é, estar atentos, para que não sejamos
surpreendidos. Entretanto, quer vigiemos ou durmamos, nosso encontro
com o Senhor é garantido. O risco é o de sermos pegos de surpresa, e não
o de sermos condenados.
Voltando à parábola:
“Mas, à meia-noite ouviu-se um grito: Aí vem o noivo, saí ao seu encontro” (Mt.25:6).
Esse
“grito-convocação” foi o grito dos profetas, dos quais, João foi o
último expoente. Apenas parte do povo judeu deu ouvidos ao alarde
profético. A outra parte se manteve surda e insensível ao apelo de Deus.
Faltava-lhes o azeite, a luz, a revelação. Seu coração foi endurecido.
Paulo
compreendia bem tal situação, pois a havia testemunhado. Em sua última
investida evangelística direcionada aos judeus, o apóstolo dos gentios
se viu profundamente decepcionado com seus patrícios.
Segundo
o relato de Atos, dentre os judeus que vieram ao seu encontro em Roma,
“alguns foram persuadidos pelo que ele dizia, mas outros não creram”
(28:24). Os que criam eram as virgens prudentes, e os que desdenhavam
eram as virgens insensatas. Suas lâmpadas estavam apagadas. Lucas diz
que eles “discordaram entre si, e começaram a sair, havendo Paulo dito
esta palavra: Bem falou o Espírito Santo a nossos pais pelo profeta
Isaías: Vai a este povo, e dize: Ouvindo, ouvireis, e de maneira nenhuma
entendereis; vendo, vereis, e de maneira nenhuma percebereis. Pois o
coração deste povo está endurecido; com os ouvidos ouviram pesadamente, e
fecharam os olhos, para que jamais vejam com os olhos, nem ouçam com os
ouvidos, nem entendam com o coração, e se convertam e eu os cure” (Atos
28:25-27).
Dentre
os filhos de Israel, somente o remanescente pôde entrar no Reino de
Deus. Quem são os remanescentes? Os que deram ouvidos ao grito
profético, e foram ao encontro do Noivo. Isso é confirmado por outras
passagens, como aquela que Paulo menciona aos Romanos: “Ainda que o
número dos filhos de Israel seja como a areia do mar, o remanescente é
que será salvo”( Rm.9:27).
Somente
os que atentarem para as profecias, e se derem conta de que elas falam
de Jesus de Nazaré, e confiarem em Sua provisão para a salvação, serão,
de fato, salvos.
Ninguém será salvo por pertencer a uma etnia, ou por ter o sangue de Abraão correndo em suas veias.
É
Paulo quem declara: “Tenho declarado tanto aos judeus como aos gregos
que devem se converter a Deus, arrepender-se e ter fé em nosso Senhor
Jesus Cristo” (At.20:21).
Por
todo o livro de Atos encontramos o cumprimento da parábola das virgens.
Em Antioquia, por exemplo, “muitos dos judeus e dos prosélitos devotos
seguiram a Paulo e Barnabé, os quais, falando-lhes, exortavam-nos a que
permanecessem na graça de Deus”(At.13:43). Esses equivalem às “virgens
prudentes”. Mas logo abraixo no texto, lemos que “os judeus, vendo a
multidão, encheram-se de inveja, e, blasfemando, contradiziam o que
Paulo falava” (v.45). Esses equivalem às “virgens insensatas”.
A parábola prossegue:
“Então
todas aquelas virgens se levantaram e prepararam as suas lâmpadas. E as
insensatas disseram às prudentes: Dai-nos do vosso azeite; as nossas
lâmpadas se apagam. Mas as prudentes responderam: Não seja o caso que
nos falte a nós e a vós. Ide antes aos que o vendem, e comprai-o”
(Mt.25:7-9).
De
quem elas deveriam comprar o azeite? Onde encontrariam a luz de que
suas lâmpadas necessitavam? Com a palavra, Simão Pedro, o apóstolo da
circuncisão:
“E
temos ainda mais firme a palavra dos profetas, à qual bem fazeis em
estar atentos, como a uma luz que ilumina em lugar escuro, até que o dia
clareie, e a estrela da manhã surja em vossos corações” (2 Pe.1:19).
Revelação
não é algo que se possa receber de terceiros. Não há como
terceirizá-la. Tem-se que buscar na fonte. Podemos adquirir informação
através de outros, mas só adquiriremos “azeite” para nossas lâmpadas, se
buscarmos diretamente na fonte. Por isso Jesus insistia: “Examinai as
Escrituras...”
Por
muitos séculos, os judeus negligenciaram a Palavra. Por isso, foram
incapazes de reconhecer o Messias, quando Ele apareceu nas ruas da
Galiléia.
Quando
procuraram por Paulo em Roma, queriam um pouco de azeite para suas
lâmpadas, mas a porta já se havia fechado. Como disse Jesus, o Reino
lhes fora tirado, e entregue a um outro povo, a igreja. Somente os
remanescentes “entraram com ele para as bodas”.
Para
esse “remanescente”, a porta sempre estará aberta. Como bem afirmou o
apóstolo: “Assim, pois, também agora neste tempo ficou um remanescente,
segundo a eleição da graça” (Rm.11:5).
Como
vimos, a parábola das virgens jamais teve a intenção de causar pânico
aos seguidores de Cristo. Não estamos nem entre as cinco prudentes, nem
entre as cinco insensatas. Somos a única noiva do Cordeiro, aquela que
está sendo preparada para ser apresentada “como uma virgem pura a um
marido, a saber, a Cristo” (2 Co.11:2).
Christus Victor!
Hermes Fernandes toca subversão no Genizah
Leia Mais em: http://www.genizahvirtual.com/2012/08/as-virgens-que-amedrontam-os-crentes.html#ixzz24lnYrcZM
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